Entendendo e exercitando a criatividade

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O que é a criatividade? Como aproveitar esse poder incrível e imprescindível na fotografia? Resolvi escrever sobre isso, mas de maneira diferente do que se vê por aí, onde receitas de bolo baseadas na técnica ou truques de luz são feitos para que uma foto "funcione" e pareça criativa. Vamos além, tentando decifrar meios mais profundos de entender essa força poderosa para aplicar em nossas produções de forma sincera e completa.



Breve conversa entre amigos.

Um belo dia, um amigo me mostrou algo que ele tinha descoberto no Youtube: "Cara, você precisa ver esse vídeo. Esse camarada toca na rua, e manda muito. Ele reproduz aquele solo de guitarra igualzinho à música original, saca só! O cara é perfeito!"

Respondi: "Realmente, muito técnico mesmo. Dedos rápidos, né? Então, já que você curte, dá uma olhada nisso..."

Neste momento, exibi alguns vídeos de virtuoses compositores da guitarra e violão, grandes instrumentistas executando suas obras autorais. Somente autorais. E falei ao meu amigo: “Imagine então esses caras aqui, que além de executarem seus instrumentos com toda essa técnica, ainda CRIARAM as músicas que estão tocando!”.

Meu objetivo era mostrar para ele que, apesar daquele músico que o havia encantado ser muito bom tecnicamente, havia um ponto mais além, onde moram estranhos impulsos que possuem o poder de transformar nada em tudo. Há muito mais além da técnica, independente de todo estudo e aprofundamento que ela exige. Há mérito na técnica, claro! Mas há algo mais distante que dá origem, faz acontecer coisas e determina diferenças: É a força criativa. É lá que residem gentis gigantes, conscientes da sua força e gratos pela sua sutileza.

Mas então, o que é criatividade?

Coisinha difícil de explicar, hein! É mais fácil ir lá e tentar criar algo...
Uma das características que iniciou o nosso distanciamento evolutivo das outras espécies foi a capacidade de conseguir resolver problemas através da construção de ferramentas. Começar a resolver problemas envolvia o uso de um tipo de atitude diferente do instinto básico, diferente daquilo que “já está lá”, formatado para a sobrevivência elementar. Exigia a aplicação de intensa atividade cerebral na concepção de ideias e conceitos novos, abstratos, mas que resultariam em recursos práticos aptos a resolver determinadas situações, como abrir uma semente, se proteger do frio, caçar com maior eficiência.

Mais tarde vieram maiores capacidades mentais, permitindo a solução de entraves cada vez mais complexos. Ok, conseguimos criar vários grandes problemas também (e como!!!), mas essa é outra história. Com o tempo (muito tempo!) as ideias foram avançando, atingindo todo o nosso comportamento, dos princípios sociais aos práticos. Hoje, após tanta coisa pensada, criada e resolvida, ainda temos mais perguntas do que respostas, e constantemente indagamos sobre grandes questionamentos ainda sem solução. Na verdade, isso nunca acabará.


Criatividade adiciona mais brilho. É o que eu chamo carinhosamente de "centelha"


Mas... o que nos levou a atingir tais respostas, desde o início? Dois fatores são pontos-chave na questão: necessidade e criatividade. No que se refere ao nosso desenvolvimento, precisamos inventar para continuar existindo, ou resistindo, em face aos problemas que nos eram, ou são, apresentados dia-a-dia. Precisamos mesmo ser criativos.
Na minha definição, então, criatividade é a força que leva ao surgimento de algo inédito, eficiente e surpreendente para que um objetivo seja alcançado. É como uma vitamina mental, que faz bem a quem a usa e a quem a recebe. Ela não está ligada apenas ao campo artístico, mas à toda e qualquer atividade que exercemos.

Como isso se encaixa na fotografia?

Bem, penso na fotografia como um eficiente recurso para a transmissão e transferência de ideias. Simplificando e fazendo analogia com o texto acima, assumo que “há uma necessidade ou objetivo”, que é justamente a propagação de um pensamento.

Então, nada melhor do que colocar em ação essa força interna, a criatividade, para que esse tal objetivo seja alcançado de forma brilhante. Já que a linguagem da fotografia possui diversas ferramentas poderosas para reforçar nosso poder de retórica e persuasão, fica fácil entender que o uso criativo desse arsenal garante o sucesso da missão. Imagens mais criativas passam o recado (ou “resolvem o problema”) com muito mais eficiência e dificilmente são esquecidas. Isso é um fato!

E como ser criativo?

Aí o caldo engrossa. Saber da criatividade não significa tê-la, e não há receitinha. Constantemente vemos que algumas pessoas parecem ter saído do forno com uma pitada a mais de sei-lá-o-quê, pois conseguem pensar e criar coisas que são milagrosamente eficientes, bacanas, úteis ou belas, e muitas vezes de forma absurdamente simples (às vezes dá até raiva...). Quantas vezes você viu uma ótima foto e pensou: “poderia ter sido eu...”? O que esses indivíduos têm a mais?

As diversas inteligências que cercam nossa natureza humana cuidam muito bem de muitos aspectos e a criatividade é uma delas. Aguns simplesmente a tem.
Eu acredito muito nos talentos natos, embora não saiba explicá-los. Mas acredito também no treinamento e despertar de talentos aparentemente inexistentes, tanto que tenho certeza de que mesmo os natos precisam de prática constante para o desenvolvimento das suas capacidades criativas. Neste ponto conseguimos chegar à parte interessante, que trata justamente da questão “como ser criativo”. Tentarei dar algumas dicas, baseado no que já li e nos meus próprios processos pessoais, mas de forma não-ortodoxa. Vamos analisar a coisa "conceitualmente".

Veja coisas que ninguém mais vê.

Já percebi que um dos fatores principais é a capacidade de abstração, ou de independer do “físico” para conceber algo. Tudo flui no campo mental. Cada criação surge primeiro na mente do criativo, de forma plena. Imagine um 3D mental, onde você possui plenos poderes sobre aquilo que está pensando. Você pode girar, esticar, apagar, aperfeiçoar. Depois de pronto mentalmente tal criação passa à realização física. No caso da fotografia entendemos isso como concepção-e-composição.

Então, a dica é mentalizar a cena, abstrair, imaginando luzes, ajustes e posicionamentos, junto a seus possíveis resultados na mente de quem vai ver tal imagem (estudar psicologia e filosofia ajuda bastante, acreditem). Feito isso, a grande foto se resolve com um único click, pois todas as possibilidades já foram testadas no campo mental.

Só quem ouviu histórias poderá contar histórias.

Ou inventar as suas próprias! Sempre achei que o fortalecimento da bagagem intelectual/cultural contribui para a criatividade. Esta é uma força constantemente construída, montada, e cresce pouco a pouco, mesmo nos natos. A absorção de ideias de outros criadores é essencial para a construção da sua própria e rica fonte de criação. Podemos chamar isso de “inspiração”, que seja. Portanto, nunca deixe de lado os valores dos livros, músicas, pinturas, filmes, fotografias, pessoas. Talvez este seja o único excesso que não atrapalha: Ouça, leia, veja, dance, cante, viaje, converse, sempre muito! Enriqueça-se para que as histórias contadas nas suas fotos sejam vivas e grandiosas. E faça com que elas apareçam rápido na hora da composição, pois a cena está lá, pronta para ser fotografada, e sumirá em alguns segundos!


Pense, pense, pense. Depois, pense mais um pouco.

Sem limites para seu pensamento"

Não se feche em um único assunto, dogma, ideologia ou conceito. Ou muito pior, pré-conceito. Seja absolutamente amplo e aberto, procure CONHECER, pois a criatividade agradece. Tenha suas convicções, mas saiba que seu umbigo não é o centro de nada. Discorde internamente, graciosamente, e debata com inteligência até entender o que vem do outro, mesmo que continue discordando, mas se abra para pensamentos diferentes do seu. Isso não significa “aceitar”, e sim “analisar”.

Só assim conseguimos “compreender” e a partir daí, “concluir respeitosamente”. Criativos usam tudo como ferramenta, e transitam por vários caminhos. Na fotografia, evite se tornar um fotógrafo-de-um-só-tema. E tente também se expressar por outros meios! Desenho, teatro, música...

Bye, bye, zona de conforto!

As coisas estão acontecendo lá fora. Ou debaixo dos seus pés, neste exato momento. Nos próximos 3 segundos, você acabou de perder a foto da sua vida. Faça como um surfista em busca da onda perfeita, que avança mar adentro, longe da praia, para pegar o swell dos sonhos. Para umas poucas mentes privilegiadas a criatividade está sempre por perto e exige pouco esforço, mas não é assim para todos. É preciso se mexer. E estudar também.

Respeite sua visão e seja único.

Encontre sua assinatura pessoal e seja fiel a ela. Inspire-se e tenha ídolos, mas nunca os copie. É imperativo que você crie suas próprias soluções e processos. Algumas dicas, como este artigo, até ajudam, mas nunca serão mais do que palavras. Você e suas ideias, isso sim é tudo! Procure se entender, se encontrar, até saber o que deseja (ou precisa) comunicar aos outros. Busque sua própria voz, seja autêntico.

Criatividade exige flerte contínuo com a inovação, exige a mostra de algo inédito e surpreendente sempre. Essa parte talvez seja a mais difícil, mas sem isso nada funciona. Esta é a base. Peça críticas, desconsidere os elogios e deixe as verdades absolutas de lado. Tente estar em constante evolução, mas sem se distanciar do eixo central que torna sua fotografia única. E não pense que já encontrou este eixo! Te garanto que isso ainda levará muito, muito, muito tempo...

Paz, e boas fotos criativas!

Hudson Malta


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