Referências estéticas na fotografia: Aronofsky e Rock´n´Roll!

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©Hudson Malta

Olá, amigos!

Quais são as suas referências? Em quem você se espelha? Ou você já é espelho para alguém? Neste artigo navegaremos pela REFERÊNCIA ESTÉTICA, analisando os meios de incorporar influências de outros artistas. Alguém me disse certa vez que "na arte, nada é 100% novo", pois tudo que criamos é uma mistura das nossas experiências anteriores. Então, vamos ver como funciona esse negócio de "ter referências" na nossa amada FOTOGRAFIA!

Escolas de ideias

Muitos pensamentos estéticos surgiram e se tornaram icônicos com o tempo, em vários segmentos: arquitetura, design, pintura, música, fotografia, etc. O interessante é que estas escolas também influenciam umas às outras, provando que a expressão nunca é limitada ao meio utilizado. Quer exemplos?

  • Como não ver a Bauhaus em Miró?
  • Já percebeu como a paleta cromática de Di Cavalcanti remete às fases cubistas do Picasso? Ou seria o contrário?
  • E o nosso Fine Art fotográfico atual, não lembra muito o pictorialismo fotográfico de quase 150 anos atrás?
  • Como negar a presença de Mondrian em Andy Warhol?
  • O tão badalado hiper-realismo atual não lembra a arte renascentista?

É assim que tudo funciona: somamos ideias para gerar algo que consideramos "novo", mas que é uma abordagem sobre algo já pensado antes, mas com a adição de um toque especial. Mesmo quando alguém se reinventa, como aconteceu com Kandinsky, Portinari e tantos outros, sempre fica presente um brilho do que já existia. Na fotografia isso ficou bem claro quando Sebastião Salgado lançou o Gênesis, ou quando Pedro Martinelli abandonou a fotografia de moda para seguir seu caminho documental: suas dinâmicas de luz e sombra estavam lá, mesmo sob temas novos para eles. Podemos ter fases distintas que gerariam referências para nós mesmos, porque não?

pic1Obras de distintas fases (e mesma temática) do pintor russo Wassily Kandinsky, antes de mergulhar no surrealismo.


Curioso é que, apesar de ter a criatividade e a originalidade como principais forças, parece paradoxal que a arte se baseie em ideias alheias! Mas é isso mesmo, nos nutrimos de referências! Somos grandes arquivadores! Em essência, adoramos duplicar experiências. Mas também podemos colocar nelas alguns toques únicos e pessoais, criando algo que pode, em certo contexto, ser considerado "novo".


"Referenciar" é somar percepções diferentes para criar um resultado novo.

A referência é um recurso para ser bem aproveitado. Para isso, nada é melhor do que conhecer, estudar e compreender o que o outro produz.

Só entendemos Jean-Michel Basquiat quando mergulhamos na sua infância pelas ruas de Manhattan. Só entendemos João Roberto Ripper ao ver sua relação com as mazelas sociais do interior do Brasil. Robert Mapllethorpe só é entendido quando eliminamos o preconceito sobre sua visão do homossexualismo, e assim por diante.

Ter uma referência é entender a visão do autor sobre o sujeito da sua obra, para depois somar tudo ao nosso próprio entendimento daquilo que desejamos expressar.

Copia x referência

Aqui encontramos uma certeza: referenciar é copiar? Não! Mas há uma linha muito fina separando uma coisa da outra. Assumir uma referência estética nunca deve ser sinônimo de plágio. Lembre-se dos fatores "originalidade" e "criatividade"! Desviar-se deles é entrar na cópia, na mera reprodução, e isso é péssimo. Ser original e criativo é bem difícil, mas é justamente aí que está toda a beleza. Fico feliz que não haja "receita de bolo" para chegar lá, pois se houvesse não haveria arte!

Então, como ficar longe do risco da cópia? Me arrisco a dar algumas sugestões:

  • Aborde sua expressão e compreensão das coisas com sinceridade e honestidade.
  • Use o senso crítico o tempo todo.
  • Estude amplamente várias expressões artísticas diferentes. A fotografia oferece um terreno vastissimo para isso.
  • Conheça as "escolas de estilos" históricas e os autores que as seguiram.
  • Amplie suas chances de "contar boas histórias", e isso só pode ser feito "ouvindo histórias". Enriqueça-se.
  • Esteja motivado a criar sempre. Nada é original e criativo sem combustível.

    Não para por aí. Criatividade e originalidade são forças grandes demais para se reduzirem à pesquisas e experiências. Para ser surpreendente é preciso ir fundo no que você decidiu fazer. Saiba que esta pode ser a busca de toda uma vida, mas talvez fique mais fácil se questionar a si mesmo: "O que eu quero fazer? Como farei? O que desejo expressar? Já fizeram isso antes? Será válido repetir?".

    Falo mais sobre Criatividade aqui, confira!

    Estudo de caso: Aronofsky na área!

    Referências estéticas são bem legais e ajudam a orientar o trabalho. O job que trago aqui foi 100% baseado nisso. Trata-se da produção de imagens de uma nova banda de Hard Rock chamada Little Mou, liderada pelo músico Alex Mouzinho. Em nosso briefing inicial percebi que havia algo bastante conceitual em suas ideias. Ele desejava um visual forte, cru e visceral, em preto-e-branco, que remetesse ao Hard Rock vigoroso da banda. Resolvi que minha fotografia seguiria um lado conceitual também, e iniciei minhas pesquisas estéticas para que o primeiro ensaio já fosse executado sob critérios bem definidos.

    Analisando as possibilidades visuais me lembrei de um cult-movie conceitual de baixo orçamento (gosto do cinema como referência) chamado Pi (1998), do então novato diretor Darren Aronofsky. O visual duro e sujo utilizada pelo diretor de fotografia Matthew Labatique nesta produção já havia me encantado antes.

    pic1A abordagem estética de PI, de Darren Afonofsky, seguiu o drama e densidade da história contada no longa.

    Ele optou pelo uso de filmes preto-e-branco positivos de alta sensibilidade e elevado nível de granulação, que normalmente são evitados no cinema. Sua fotometria e processamento são muito delicados, gerando imagens muito contrastadas com poucas variações de cinza. Segundo o próprio Aronofsky, isso foi feito por "escolha criativa". Junto à temática da história, o resultado foi matador: entre vários outros prêmios, a produção leva o "Melhor Diretor" do Sundance Film Festival daquele ano.

    Quer ler mais sobre "Fotografia em Preto-e-branco"? Clique aqui!

    Abordagem de trabalho

    Decidi então usar este filme como inspiração neste trabalho! Escolhida a referência, assisti o filme novamente. Vi e revi várias cenas e pesquisei seus stills para buscar minhas próprias soluções visuais, pois não queria (nem deveria) fazer uma cópia, daquilo, e sim me inspirar. Decidi por uma locação suja e de luz natural muito suave, que seria mesclada a três flashes bastante difusos e sutis.

    Concentrei meus ângulos em posições mais baixas, em contra-mergulho, para dinamizar a presença dos componentes da banda. Usei três fontes de luz difusas com soft-boxes médios, além das janelas do recinto. Ajustei a câmera (Nikon D800) para RAW + JPG "preto-e-branco", apenas para visualizar algumas dinâmicas em PB direto no LCD. Lembre-se, o RAW sempre é gerado em cores, o que garante conversões para PB de muito mais qualidade no tratamento. Os JPG em PB da câmera foram descartados. As lentes utilizadas foram as Nikkor 14-24 2.8, Nikkor 24-70 f/2.8 e Tamron 70-200 2.8.

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    Tratamento

    O tratamento foi mais complicado, pois o visual rústico do filme precisava ser respeitado. Afinal, referência é referência! O visual de "Pi" me lembrou a dinâmica tonal dos Kodak T-Max Pro T3200, com suas altas-luzes superexpostas e sombras profundas (filmes muito sensíveis tendiam a aumentar o contraste). E aquela granulação... hmmm, que-coisa-mais-linda-do-mundo! Não escondo que sou fanático por essa estética vintage rústica!

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    Comecei então uma bela pesquisa para estudar e simular o comportamento deste filme. Confesso que isso foi o que me deu mais trabalho, junto a um grande prazer! Depois de muita leitura, pesquisas visuais e suor, cheguei em algumas combinações de ferramentas e plug-ins que deixaram relação dinâmica entre luzes e sombras da forma como eu queria. Fiz outras combinações para gerar uma granulação "orgânica", muito intensa e natural, e o resultado final me trouxe "suspiros de satisfação"!

    Em outra oportunidade explicarei em detalhes os recursos utilizados. Por enquanto, são segredos bem guardados, pois exigiram muito trabalho e pesquisa! Já tem um tempo que venho conseguindo bons resultados na recuperação do comportamento visual de alguns filmes PB clássicos, e tenho aplicado isso em meus trabalhos. E como dizem por aí, não se deve revelar truques de mágica!

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    O resultado!

    O resultado pode ser visto abaixo. É um exemplo sobre como referências estéticas funcionam, e como as coisas precisam ir além do aspecto meramente visual. Aronofsky precisava de uma estética rude e crua, diretamente relacionada à temática densa da história narrada no longa-metragem. Considerando o estilo da banda Little Mou e seus aspectos conceituais, vi que a minha parte fotográfica também deveria seguir o mesmo caminho. E obviamente, esta será mais uma referência que misturarei a novas ideias no futuro, como manda o figurino!

    Finalizo com a "moral da história": Esta abordagem é totalmente contrária às tendências atuais de "compor de qualquer maneira" ou de se usar presets prontos e mastigados do Lightroom e outros sistemas no tratamento, que deixam a fotografia com uma aura artificial e sem propósito. Será que é só isso mesmo? Onde está conceito, a pesquisa? E a captação das imagens, foi apenas uma sucessão de disparos comerciais ou houve algo mais profundo, algo mais inteligente e pensado? A abordagem mais comprometida enriquece qualquer trabalho fotográfico, e vejo que isso se perde cada vez mais. Quem entende e aplica um sentido mais profundo terá muito mais mensagens sendo expressas através das suas imagens. E quem sabe, também conseguirá se tornar uma referência lá na frente!

    Espero que este artigo seja útil! Paz e boas fotos!

    Hudson Malta

    ** A Banda Little Mou é formada pelos músicos Alex Mouzinho, Felippe Marques, Guinho Tavares e Luciano Mendes. À eles, um "muito obrigado" pelas experiências fotográficas! **

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